Exegese: Descubra Como Pressupostos Humanos Podem Moldar (ou Distorcer) Sua Compreensão Bíblica

Quando o estudante da Bíblia, o professor ou o pregador deixa de aplicar a exegese em seu estudo do texto bíblico, corre um grande risco que é impor ao texto aquilo que ele não está dizendo. E, outro grande desafio, por parte destes, é se aproximar do texto bíblico de forma neutra, isto é, sem seus pressupostos doutrinários e teológicos já formatados. Para o texto falar por si, sem imposições ou pressuposições daqueles que o leem.

Já algum tempo venho me dedicando às disciplinas da Exegese e Hermenêutica, tanto na discência como na docência. E, a cada dia, sou mais convicto da necessidade, em especial, da exegese na interpretação e aplicação do texto bíblico.

Quando o estudante da Bíblia, o professor ou o pregador deixa de aplicar a exegese em seu estudo do texto bíblico, corre um grande risco que é impor ao texto aquilo que ele não está dizendo. E, outro grande desafio, por parte destes, é se aproximar do texto bíblico de forma neutra, isto é, sem seus pressupostos doutrinários e teológicos já formatados. Para o texto falar por si, sem imposições ou pressuposições daqueles que o leem.

Agora, este é um grande desafio, por dois motivos, o primeiro porque nem todos são humildes para revisitar suas ideias e pressupostos doutrinários já formatados por seu pastor, seu seminário, sua igreja, sua cultura, etc. O segundo, porque não possuem ferramentas necessárias para realizar uma exegese sólida, ferramentas estas de formação teológica e de estudo das línguas originais; ou pelo menos do vernáculo (da boa língua portuguesa).

Tendo discorrido isto, quero revelar neste pequeno artigo como pressupostos teológicos podem influenciar a interpretação de textos bíblicos, examinemos as abordagens calvinistas e arminianas sobre passagens que abordam temas de predestinação, graça e livre-arbítrio. Esses exemplos demonstram como diferentes lentes doutrinárias impactam a exegese, sem que isso implique apoio a uma posição específica.

1. Efésios 1:4-5 – Predestinação

Em Efésios 1:4-5, Paulo afirma que Deus “nos escolheu nele antes da fundação do mundo” e “nos predestinou para sermos filhos”. Essa passagem é interpretada de maneiras distintas pelos calvinistas e arminianos:

Perspectiva Calvinista: Os calvinistas, que acreditam na eleição incondicional, entendem que este texto apoia a ideia de que Deus escolheu, de forma soberana, determinadas pessoas para a salvação antes da criação do mundo. Essa interpretação assume que a predestinação é um ato independente da vontade humana, alinhado com a doutrina da eleição incondicional.

Perspectiva Arminiana: Os arminianos, que defendem o livre-arbítrio e a eleição baseada na presciência de Deus, interpretam essa passagem como significando que Deus predestinou aqueles que Ele, em Sua presciência, sabia que creriam. Assim, eles entendem que a predestinação mencionada aqui não nega a liberdade humana, mas é compatível com uma escolha humana em resposta à graça divina.

Nesse caso, os pressupostos teológicos orientam cada lado a enfatizar aspectos diferentes do texto. A questão para o exegeta neutro seria entender o que Paulo queria comunicar aos seus leitores originais, evitando inserir pressuposições sobre a natureza da predestinação que não estejam diretamente no texto.

2. Romanos 8:29-30 – Ordem da Salvação

Em Romanos 8:29-30, Paulo descreve uma “cadeia” de ações de Deus: “Porque os que dantes conheceu, também os predestinou… e aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”.

  • Perspectiva Calvinista: A visão calvinista interpreta esse trecho como evidência de que Deus realiza todo o processo da salvação sem depender da resposta humana. A “cadeia” de ações reflete a obra soberana de Deus em garantir a salvação dos eleitos desde o conhecimento prévio até a glorificação final, confirmando que cada etapa da salvação está sob o controle absoluto de Deus.
  • Perspectiva Arminiana: Para os arminianos, essa passagem pode ser lida como uma sequência que ainda envolve a cooperação humana, especialmente no que diz respeito ao chamado e à resposta à graça de Deus. Eles argumentam que a presciência de Deus (Deus “dantes conheceu”) implica que Ele antevê quem crerá, e é com base nessa previsão que os predestina, permitindo que o livre-arbítrio humano esteja incluído na sequência de salvação.

A partir dessas diferenças, vemos como cada lado enfatiza elementos específicos para apoiar suas posições teológicas. Um exegeta neutro buscaria entender se o apóstolo Paulo pretendia descrever um processo da salvação totalmente dependente da soberania de Deus ou se ele via espaço para uma resposta humana dentro dessa “cadeia” de eventos.

3. João 6:44 – Atração Divina e Livre-Arbítrio

Em João 6:44, Jesus diz: “Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o atrair”. Esse versículo é frequentemente debatido em torno da questão do papel de Deus e do ser humano na salvação.

  • Perspectiva Calvinista: Para os calvinistas, essa “atração” é entendida como uma chamada irresistível: quando Deus atrai alguém, essa pessoa inevitavelmente crê em Jesus. Essa interpretação é baseada na doutrina da graça irresistível, que sustenta que, quando Deus chama alguém para a salvação, essa pessoa não pode resistir.
  • Perspectiva Arminiana: Os arminianos, em contrapartida, interpretam essa “atração” como uma graça preveniente que permite a resposta de fé, mas que ainda depende da escolha do indivíduo. Assim, eles consideram que Deus atrai todos, mas que a aceitação dessa atração é voluntária e não irresistível.

Nesse exemplo, o pressuposto teológico determina como se entende o verbo “atrair” e o grau de agência que Deus e o ser humano têm no processo de salvação. O desafio para o exegeta imparcial é analisar a palavra “atrair” no contexto do Evangelho de João e em sua língua original, buscando o significado pretendido sem incorporar ideias teológicas externas.

4. Timóteo 2:4 – Vontade de Deus para a Salvação

Em 1 Timóteo 2:4, Paulo escreve que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade”.

  • Perspectiva Calvinista: Os calvinistas, que defendem a eleição incondicional e a expiação limitada (ou seja, a ideia de que Cristo faleceu apenas pelos eleitos), interpretam geralmente o “todos os homens” como “todos os tipos de pessoas” ou “todas as pessoas que Deus escolheu”. Eles sustentam que, embora Deus deseje salvar todos os tipos de pessoas. Sua vontade salvífica é eficaz apenas para os eleitos.
  • Perspectiva Arminiana: Para os arminianos, esse texto reflete o desejo universal de Deus pela salvação de toda a humanidade. Eles interpretam “todos os homens” literalmente, defendendo que Deus oferece salvação a todos, mas que esta depende da resposta livre de cada pessoa. Isso se alinha com a doutrina do livre-arbítrio, na qual o desejo de Deus não implica uma imposição irresistível.

A questão para o exegeta imparcial é investigar o contexto dessa passagem para entender como Paulo poderia estar usando a expressão “todos os homens” e qual era a intenção de seu uso ao escrever para Timóteo, evitando leituras que impõem limitações ou universalizações não explícitas no texto.

5. Hebreus 6:4-6 – Apostasias e a Possibilidade de Perda de Salvação

Em Hebreus 6:4-6, o autor fala de pessoas que “foram iluminadas, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo” e depois caíram, e afirma que “é impossível renová-los para arrependimento”.

  • Perspectiva Calvinista: Muitos calvinistas entendem que esses versículos se referem a pessoas que pareciam crentes, mas que nunca foram verdadeiramente salvas. De acordo com essa interpretação, esses indivíduos apenas tiveram uma experiência superficial, e sua queda prova que nunca foram eleitos para a salvação verdadeira, uma vez que a doutrina da perseverança dos santos sustenta que os verdadeiros eleitos não podem perder a salvação.
  • Perspectiva Arminiana: Os arminianos, que acreditam na possibilidade de perda da salvação, veem esta passagem como um alerta genuíno para cristãos verdadeiros que, ao se afastarem de Cristo, podem perder sua salvação. Para eles, o autor de Hebreus está falando de crentes que realmente experimentaram a vida em Cristo e, ao cair, enfrentam um perigo real e irreversível.

O exegeta neutro deve se concentrar em investigar o público original de Hebreus, o contexto da advertência e as nuances das expressões usadas para entender se o autor descreve uma situação hipotética, uma realidade sobre descrentes ou um alerta para verdadeiros cristãos.

6. João 3:16 – A Expiação e a Alcance do Amor de Deus

João 3:16 declara: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.

  • Perspectiva Calvinista: Calvinistas que defendem a expiação limitada interpretam o “mundo” como se referindo aos eleitos entre todas as nações, não ao mundo inteiro sem exceção. Para eles, o versículo sublinha o amor de Deus pelos escolhidos para a salvação e não implica a expiação universal.
  • Perspectiva Arminiana: Arminianos, em contraste, leem “o mundo” como a humanidade em geral e veem neste versículo a expressão do amor universal de Deus e da oferta de salvação para todos. Eles interpretam o texto como uma declaração de que Jesus faleceu por todos, e a salvação é uma oferta aberta, condicionada à resposta da fé.

Neste caso, o exegeta neutro tentaria explorar o significado do termo “mundo” conforme o Evangelho de João, bem como o contexto do versículo, para ver se ele indica um amor universal ou um grupo mais restrito.

6. João 3:16 – A Expiação e a Alcance do Amor de Deus

João 3:16 declara: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.

  • Perspectiva Calvinista: Calvinistas que defendem a expiação limitada interpretam o “mundo” como se referindo aos eleitos entre todas as nações, não ao mundo inteiro sem exceção. Para eles, o versículo sublinha o amor de Deus pelos escolhidos para a salvação e não implica a expiação universal.
  • Perspectiva Arminiana: Arminianos, em contraste, leem “o mundo” como a humanidade em geral e veem neste versículo a expressão do amor universal de Deus e da oferta de salvação para todos. Eles interpretam o texto como uma declaração de que Jesus faleceu por todos, e a salvação é uma oferta aberta, condicionada à resposta da fé.

Neste caso, o exegeta neutro tentaria explorar o significado do termo “mundo” conforme o Evangelho de João, bem como o contexto do versículo, para ver se ele indica um amor universal ou um grupo mais restrito.

7. Filipenses 2:12-13 – Salvação e a Obra de Deus em Nós

Em Filipenses 2:12-13, Paulo orienta os crentes a “operar a sua salvação com temor e tremor”, acrescentando que “Deus é quem opera em vocês tanto o querer quanto o realizar, conforme a Sua boa vontade”.

  • Perspectiva Calvinista: A interpretação calvinista vê esses versículos como uma evidência de que Deus é o agente primário e eficaz no processo de salvação, tanto para suscitar o desejo quanto para levar a ação, reforçando a soberania divina em cada passo da salvação.
  • Perspectiva Arminiana: Os arminianos enxergam aqui uma colaboração entre o agir humano e o agir divino. Eles interpretam o “operar a sua salvação” como um chamado ao esforço e à responsabilidade humana, enquanto Deus, em Sua graça, ajuda e capacita os crentes. Para eles, este texto apoia a visão de sinergia entre a ação de Deus e a resposta humana.

Para o exegeta, que busca uma interpretação imparcial, o foco seria entender como Paulo via a relação entre o esforço humano e a ação de Deus, considerando o contexto pastoral de sua instrução à igreja de Filipos.

8. Romanos 9:16-18 – A Soberania de Deus na Salvação

Em Romanos 9:16-18, Paulo afirma que “não depende de quem quer ou de quem corre, mas de Deus que se compadece”, e menciona que Deus endureceu o coração de Faraó.

  • Perspectiva Calvinista: Calvinistas interpretam esse texto como uma afirmação da soberania absoluta de Deus na salvação, indicando que Ele escolhe mostrar misericórdia ou endurecer quem deseja, independente do desejo ou das ações humanas. Esse texto é frequentemente usado para apoiar a doutrina da eleição incondicional.
  • Perspectiva Arminiana: Arminianos podem interpretar essa passagem como focada no papel de Israel e dos gentios no plano redentor de Deus, e não como uma doutrina sobre a eleição individual. Eles sustentam que, embora Deus tenha liberdade para endurecer e mostrar misericórdia, Ele faz isso de acordo com Sua justiça e em resposta às ações e ao estado do coração humano.

Um exegeta neutro aqui precisaria considerar o contexto maior de Romanos 9-11, onde Paulo discute a eleição de Israel e o plano de Deus para as nações, para tentar captar a intenção de Paulo sem forçar uma interpretação doutrinária específica.

Conclusão

Esses exemplos demonstram como os pressupostos doutrinários podem inclinar a interpretação de um texto bíblico em direções específicas. O exegeta neutro enfrenta o desafio de deixar que o texto fale por si, explorando o contexto, a linguagem e as intenções do autor para revelar a mensagem central do texto, sem impor visões teológicas que não estejam ali explícitas.

Sobre o autor... | Website

Márcio Trindade é Pastor Batista a mais de 20 anos, casado com Vania e pai da Naara, Maressa e Levi. Licenciado em História, Bacharel, Pós-Graduado e Mestre em Teologia com ênfase em Releitura, Interpretação e Exposição Bíblica, pelas Faculdades Batistas do Paraná e Seminário Bíblico Palavra da Vida. Amante da Pregação Bíblica, Simples e Pura da Palavra de Deus. Acima de tudo, Servo do Senhor!

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